quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Vazio


Não sei como começar esse post..

No final de 2010 conheci a Gia. Ela estava num Pet Shop toda calma, preguiçosa. Abri o cercadinho dela, ela se espreguiçou e saiu calmamente até se esfregar na minha mão. Bingo! Essa era a gata que eu queria!

A primeira noite foi tudo novidade. Fechamos a porta do quarto primeiro. Ela saiu do carrier e se escondeu debaixo da cama, com medo. Depois aos poucos saiu para explorar o novo ambiente. Fiz carinho e ela começou a ronronar muito excitadamente. Fiquei preocupado.. achei que ela teria um troço.

Talvez no terceiro dia abrimos a porta do quarto e lá foi ela explorar a sala, banheiro, cozinha e achou o canto favorito, em cima do puff perto da janela.

Ela nunca miou alto. Ela sempre foi muito sociável e gostava de brincar. Lembro quando ela ficava meio escondida esperando eu passar para então "atacar" minha perna. Daí eu saía correndo atrás dela e depois ela fazia de novo.

Ela nunca curtiu muito sair do apartamento. Ficava estressada, com medo.

Lembro a primeira vez que dei catnip e ela ficou maluquinha. Fiquei com medo de fazer mal e evitei.

No ano em que a Amanda nasceu e já estávamos em outro apartamento, a Gia ficou doente. Ela apresentava dores para urinar e saía sangue. Dava dó só de olhar e um pouco de raiva, pois tinha de lavar roupa de cama, capa de sofá algumas vezes por semana, ou até mesmo por dia. Depois de muito vaivém no veterinário, finalmente tivemos uma guia para fazer uma ultrassonografia e daí foram constatados cristais na bexiga. Mudamos a alimentação com uma ração com menos sal e daí ela melhorou.

Amanda e a Gia ficavam sempre muito próximas. Não parecia ciúmes, mas sim coisa de irmã mais velha. Era interessante ver.

Após a separação a Gia se tornou minha grande companheira. Ela seguia minha rotina. Ela ia para a cama e ficava comigo, eu acordava e ela me seguia até o banheiro, eu voltava para casa e ela vinha me receber na porta. Eu conversava com ela.

Acho que o lugar que ela mais gostava era o sofá. Eu sentava e lá vinha ela se encostar. Era batata!

Na última 3a feira de manhã, antes de sair de casa para levar a Amanda na escola eu notei algo estranho. Ela ficou na dela, nem me seguiu até o banheiro, nem foi para o sofá. Até comentei com a Amanda que achava que a Gia estava doente ou meio triste.

Naquele dia eu voltei para a casa e ela não veio me receber na porta. Comecei a ficar preocupado. Fui ver aonde ela estava e a encontrei parada perto da cama com cara de cansada. Conversei com ela perguntando se estava tudo bem.

Coloquei o patê e esperei que ela viesse comer como era de costume. Ela não veio. Aí fiquei bem preocupado. Fui ao sofá e daí ela veio, passou perto de mim. Senti um cheiro bem ruim e pensei que ela estava meio cabisbaixa por ter algum cocô grudado no pelo dela (isso já tinha acontecido antes..), mas não encontrei.

Daí começou o pesadelo..

Depois de procurar o cocô eu acabei encontrando uma ferida na barriga dela. Até pensei que fosse algum bicho que tivesse picado e ela foi lá e lambeu. Estava com pus.

Resolvi dar um banho para limpar a ferida. Enchi a banheira, peguei a Gia e coloquei na água. Ela não pulou como era de se esperar. Acho que naquele momento ela já estava sem forças. Lavei a região e vi que era na verdade uma bola e uma ferida. Ela estava nervosa... e acabou fazendo xixi na banheira. Sequei calmamente e ela deixou. Percebi que ela estava com muito medo de tudo.

Ela saiu do banheiro e ficou deitada no chão. Deitei junto e fiquei conversando com ela e fazendo carinho. Acho que ela se acalmou.

Depois disso ela ficou quietinha no quarto, na cama da Amanda. Eu levei o patê e água para ela. Ela comeu um pouco do patê. Nessa hora eu já estava preocupado e pensando mil coisas. Decidi procurar um veterinário 24 horas. Fui no Google, liguei para 2 clínicas e elas não estava atendendo emergências. Pesquisei rapidamente sobre a ferida..

O veterinário dela abria às 8h da manhã e acabei decidindo deixar para o dia seguinte. Fui dormir e ela não foi para a minha cama... já sem forças. Eu deveria ter pego ela e dormido junto.. deveria ter dado companhia...

Na manhã seguinte liguei e pedi um encaixe de emergência. Queria uma análise, alguma direção. Consegui uma consulta às 9h10... 4a feira, dia 28 de Novembro.
Ela entrou no carrier sem problemas. O cheiro estava forte novamente...
Pegamos um Uber e lá chegamos.
Assim que entramos na sala, a Gia começou a tremer... ela nunca gostou de ir ao veterinário. Levaram ela para dentro para acalmá-la, ver o batimento cardíaco, ver a respiração. Esperei...

Depois de um tempo a veterinária me chama na sala:

- Olha, ela está muito nervosa e com dificuldades para respirar. Colocamos no oxigênio e conseguimos ver a ferida.. Infelizmente pode ser um tumor. Na maioria dos casos não é benigno, mas quero tirar umas radiografias para ver se é apenas local
- Puxa... eu não tinha percebido
- Às vezes é muito rápido.. e não dá para perceber, pois os gatos não dão indícios.. somente quando mudam de comportamento
- E quais são os próximos passos?
- Quero tirar uma radiografia local e ver se atingiu os pulmões. Vamos ver se ela se acalma primeiro... dei um sedativo e deve fazer efeito em breve. Você pode ir para casa ou trabalhar e a gente liga quando houver mais resultados

Voltei para o trabalho... triste, mas até que otimista. O telefone toca cerca de 1h depois... e falo que chego lá em 30min.

Umas 11h45 entro na sala, mais resultados:

- Finalmente conseguimos tirar as radiografias. Ela estava muito agitada, mas fizemos rápido. Não tenho boas notícias... infelizmente. Deixa eu te mostrar...

Nem sei o que pensei..

- Aqui está o tumor e essa área aqui deveria estar claro o pulmão, mas não está. Há muito líquido e essas manchas brancas no pulmão indicam que o tumor espalhou.. O coração também não está dando para ver direito. Você chegou a perceber algo na respiração dela?
- Não, nunca a vi puxando o ar... minha filha tem asma e sei como é o esforço de puxar o ar para dentro
- A Gia está com muita dificuldade para respirar... está no oxigênio
- E o que podemos fazer..?
- Infelizmente não tenho boas notícias... desculpe. Do jeito que ela está, pode durar mais 1 ou 2 dias... ou se tirarmos o líquido do pulmão para ajudar na respiração pode durar mais 1 ou 2 semanas, mas precisaria fazer esse procedimento várias vezes... a cirurgia nesse caso não é recomendada... então infelizmente minha recomendação para que ela não sofra é colocar para dormir
- Como assim? O que isso significa?
- Que a gente dá um sedativo como anestesia, ela dorme.. e a gente dá outra injeção para parar o coração. Desculpe...  sei que é muita informação

Nessa hora eu quase chorei, mas muita coisa veio a minha cabeça... comecei a falar coisas meio sem sentido..

- Eu deveria ter percebido antes...
- Você não tem culpa, como eu disse, muitas vezes não dá para perceber.. e você percebeu alteração no comportamento dela
- Sim, mas de repente ela estava tentando me dizer antes... não sei..
- Sei que é muita informação.. vou deixá-lo na sala sozinho para pensar nas alternativas, dar telefonemas... o tempo que precisar e depois você me chama..

Liguei para a Claudia. Falei da situação... e disse que ia optar pela eutanásia.. para que ela não sofresse mais, muito menos em casa sem ter o que fazer. Perguntei se ela queria se despedir.. se de repente a Amanda iria querer se despedir. Ela disse que não daria para ir pegar a Amanda e levar ao veterinário. Foi tudo muito rápido... decidi ir buscar a Amanda e deixá-la se despedir. Cresceram juntas... e para mim iria doer mais ouvir "mas eu queria ver a Gia..."

Chamei a médica. Falei que não esperava ter de tomar aquela decisão assim.. tão rápido, mas que concordava que achava melhor não deixá-la sofrer. Falei que queria trazer a Amanda e ia demorar 1 hora mais ou menos. Ela perguntou se eu queria ver a Gia... e fui vê-la... cena triste. Ela me viu, mas não parecia ter forças.. e não se levantou.

Fui para a escola, ela veio me encontrar na secretaria meio surpresa. Expliquei rapidamente que a Gia estava muito doente e estava no veterinário.. e que precisava virar estrelinha, pois estava sofrendo. Muitas dúvidas vieram na cabeça da Amanda, mas somente as lágrimas saíram... de muita tristeza. Abracei, chorei.. tentei explicar da melhor forma possível.. disse que meu coração também estava em profunda tristeza e que eu tinha tentado buscar explicações. Disse que me sentia culpado... e a Amanda disse "mas você não sabia papi..."

Foi uma corrida de Uber silenciosa, alternada com choro.. tentando buscar forças.

Entramos na sala. Uma assistente explicou o procedimento, assinei uns termos, ela apresentou uma brochura sobre o cemitério, lembranças, etc... tudo coisa que eu não queria ter de escolher, discutir, pensar..

A médica trouxe a Gia... nitidamente enfraquecida, respirando com dificuldade. Não dava para acreditar... Falei para a Amanda que queria tirar uma foto para recordar que sempre estivemos ao lado dela, mas que queria que não fosse triste.. queria tentar buscar na memória os momentos felizes... não deu, choramos.

Peguei a Gia no colo, mostrei o machucado para a Amanda. Dei um abraço na Gia, conversei com ela... fiz muito carinho. Ela estava calma. Amanda estava chorando...
Chamei a médica e disse que estávamos prontos para despedir... não ficamos mais na sala. A médica esboçou um choro ao ver nós dois abalados. Falamos tchau para a Gia.. ela se virou.. deitou de costas para nós. Foi melhor assim.
Paguei as despesas... a secretária chorou ao ver a cara de triste da Amanda...

Pegamos um Uber para casa... não conseguíamos acreditar. Amanda chorava, passava.. e chorava de novo. Eu também. Ficamos em silêncio... depois sugeri tentarmos fazer alguma coisinha que talvez nos fizesse feliz... um sorvete de repente.

Amanda foi para a Claudia naquela noite..

Eu chorei ainda mais.. me culpei, de certa forma arrependi... tentei buscar um lado racional na decisão.

E há uma semana a Gia se foi... a casa ficou vazia

Se não percebi antes, peço desculpas. Vou carregar a culpa para sempre.
Tento pensar que o amor liberta e não sei se conseguiria viver com o sentimento de egoísta se eu a trouxesse de volta para a casa ela morresse com dor em 1 ou 2 dias... sem tempo de levá-la novamente ao veterinário..

Com tristeza e com amor..

Robinson



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